Sérgio Rodrigues de Souza
INTRODUÇÃO
A democracia é um regime de governo e não
regime social, onde se presume que o poder de uma nação emana do seu povo e
este é revertido em favor do mesmo, na forma de políticas públicas.
O desafio que este regime enfrenta desde seu
surgimento na Cidade de Atenas, na Grécia Clássica, é fazer com que os cidadãos
compreendam que a expressão poder do povo não pode ser confundido com anomia e
nem com anarquia, fato que vem ocorrendo no Brasil, já há várias décadas e que,
com isto, tem conduzido a democracia brasileira a um estado tal de caquexia,
que sua estimativa de vida não se prolonga por muitos anos no futuro. E, o mais
interessante, neste processo, é que os mesmos grupos que a levaram a tal
condição de decadência moral são os mesmos que estão gritando aos quatro ventos
que a democracia brasileira corre risco iminente de morte e vivem em busca de
explicações para tal fenômeno, sempre evitando tratar do problema em si, seja
por ignorância, seja por falta de caráter.
A DECADÊNCIA DA DEMOCRACIA
BRASILEIRA
Umberto Eco (1932-2016) disse, durante uma
entrevista, em 2011 que “a internet havia dado voz ao idiota”. Não estou aqui
para discutir o seu pensamento; mas, quem deu voz ao idiota foi a Democracia e
o máximo que a internet faz é permitir que suas sandices sejam expostas sem uma
devida análise, porque o gatekyper da
rede mundial de computadores é a própria interpretação do indivíduo sobre o que
pensa e expressa.
No regime democrático, todos possuem direito a
voz e vez, uma vez que este é o princípio e a razão de ser da Democracia; no
entanto, todos pertencem a uma coletividade e as demandas são analisadas em
detrimento da maioria e não da minoria; isto porque os recursos são escassos.
Quando esta lógica é invertida, em que as vontades
das minorias se tornam reinvidicações absolutas e o não acatamento imediato aos
seus interesses passa a ser interpretado como afronta aos direitos individuais,
eis o primeiro sintoma da infecção que, aos poucos, provoca metástase até
dominar todo o organismo, impossibilitando este de atuar com potência.
Na esteira disto, os conceitos de dever vão
desaparecendo do vocabulário social e em seu lugar somente a palavra direito
assume o comando, bem como se começa a buscar explicações para todo e qualquer
tipo de excesso que os cidadãos cometem e, em pouco tempo, os intérpretes do
direito transformam tais questões em justificativas que vão encontrar respaldo
no discurso psiquiátrico, transformando o Estado e toda a Sociedade em refém do
discurso e, por extensão, dos deliquentes que aprenderam a jogar e a manipular
a opinião pública em favor próprio.
A democracia entra em risco de decadência
quando se começa a permitir que os excessos de um grupo se tornem a sua voz e
isto não é repreendido dentro dos rigores da lei. Em 1995, durante uma
manifestação denominada FORA FHC, dirigida contra o Chefe-de-Estado, à época,
sua excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, uma jovem desfilou completamente
nua e com os dizeres ‘Fora FHC’ escritos em suas nádegas. Quando o Presidente
em exercício foi questionado, limitou-se a responder: “É a manifestação da
Democracia!”
No entanto, não bastou muitos anos depois para
que jovens, durante um congresso realizado na Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, na cidade do Rio de Janeiro colocassem cruzes (o símbolo máximo
do Cristianismo) nos orifícios anais e vaginais, em protesto contra a posição
da Igreja Católica no que se refere à interrupção voluntária da gestação (o
aborto) e, poucos anos depois, uma jovem colocou uma bandeira da Nação
Brasileira dentro da vagina e mandou que uma colega a costurasse.
Toda esta ação desmedida em que se permite que
aquele que desejar pode ultrapassar o métron
legal assim o pode fazer em nome de sua liberdade de ação e de expressão, faz
com que o Estado vá perdendo sua força de caráter e as pessoas de bem vá
perdendo sua vontade de potência, não se identificando mais com um ente que não
mais demonstra poder e personalidade.
Com isto, tem-se um Estado debilitado, que
permite o surgimento e o crescimento da anarquia, em nome da Democracia e o
próximo passo é a presença da anomia, o surgimento de um ‘Estado anômico’, onde
não se tem mais regras, porque não se tem mais leis. Daí é que surge o jargão:
‘lei existe, está prescrito no ordenamento jurídico; apenas não se lha aplica
aos casos’. Neste caso, elas se tornam enfeites ou elementos retóricos em
cursos de Ciências Jurídicas.
O princípio que rege a Democracia é muito além
do poder do povo, que este espera que emane de si e retorne a si como proteção
social; é o respeito ao seu Estado-nação e às suas leis, acima de tudo. A
partir do instante em que os idiotas de plantão descobriram uma terra sem lei e
sem limites de qualquer espécie que é a rede mundial de computadores (a
internet) e aprenderam a buscar na própria Constituição a defesa para todas as
suas desmesures, seja na forma de explicação, seja na forma de justificativa, a
Democracia Brasileira entrou em colapso e o que espanta é ainda não ter
sucumbido.
Todo o poder do Estado vem do seu povo e há
anos que criaram mecanismos de destruição do Estado Brasileiro de dentro para
fora, método que os russos chamavam de insurreição. Minaram o poder da Família
e da Escola; na esteira, foi o das forças armadas de segurança pública, ente que
representa a presença do Estado em meio ao povo. Com estes três entes
enfraquecidos, o próximo passo foi fortalecer, via discurso, os jovens que
passaram a ser encarados como protagonistas de uma nova era.
Ausentes do processo as três figuras de poder que
determinam o caráter e a personalidade de um Estado-nação, há que se implantar
novos elementos com os quais os jovens em formação possam se identificar e
estas figuras são imagens re-construídas de ditadores que tornaram seus
respectivos Estados-Nação fortes sob o fundamento do medo e da imposição da
violência mais brutal; mas, que sob o pincel e a pena de retóricos, tais
atitudes são modelos de virtude e de amor ao povo.
O destino de toda Democracia é o seu retorno ao
que lhe deu origem, a Ditadura e, em Atenas, onde ela surgiu não foi diferente,
porque foi do apogeu à anarquia e da anomia para terminar na ‘escravidão’. Como
o Estado Democrático ‘procura’ ser pacífico, parece que a calmaria desperta um
sentimento de horror, de uma parte da população, com relação ao Chefe de
Estado, em que desejaria todo tipo de violência sendo cometida contra si para
sentir-se importante e mesmo amada.
CONCLUSÃO
O risco de decadência da Democracia Brasileira
é resultado de uma ação estratégica de enfraquecimento de entes que formam o
tripé social e o fortalecimento de uma classe que não possui nada maior que a
sua vaidade para oferecer como subsídio. Tudo isto foi realizado e consagrado
através da vontade popular, em que os representantes do povo, legitimamente
eleitos, foram acatando cada nova reinvidicação de setores da sociedade que
nada mais queriam que ter seus excessos aceitos como legítimos pelo Estado.
A consequência disto é a transformação gradual
do Estado de Direito em Estado de Exceção, gerido por uma minoria que passa a
ditar como as regras e as leis devem ser aplicadas sobre quem não concorde com
as mesmas e, o mais bizarro é que tudo isto acontece com o consentimento do
povo que é abduzido por uma retórica que distorce os valores em direção a
interesses cada vez mais particulares.