Sérgio Rodrigues de Souza
APRESENTAÇÃO
As redes de interações sociais
existem desde que o ser humano surgiu sobre a Terra. Formar grupos, de acordo
com as formas de pensar, características endógenas e exógenas, ser e agir no
mundo é uma situação peculiar ao ser humano e estas confraternizações de
pensamentos irão influenciar nos modos singulares e particulares de cada
envolvido, transformando-os em seres muito diferentes do que eram e do que
poderiam ser, caso seguissem sem participar de tais eventos.
Cada época vai disponibilizar
um contingente de ferramentas que estarão à disposição da sociedade, cabendo a
esta intentar pela melhor forma de utilizá-la, a fim de que os processos de
desenvolvimentos pessoais, intelectuais e cognitivos possam ser melhorados e
aperfeiçoados. Neste ínterim, tem-se a formação da personalidade que, desde que
o ser humano nasce, ela vai se conformando, aderindo aos processos de
transmutações impostos pela cultura e o meio onde esteja inserido este ser.
A população adolescente é a
que mais sofre impactos sobre esta condição, porque sua personalidade, de uma
hora para outra é posta em questionamento, por ele mesmo, não restando-lhe
muito mais que buscar apoio em grupos que, para seu azar, está tão ou mais
perdido que ele próprio. Até poucas décadas antes, estes grupos representavam
pequenas aglomerações, em que ideias eram debatidas e o objeto de amor e ódio
representavam os pais.
Com o advento do surgimento da
rede mundial de computadores (a internet) toda esta dinâmica muda e o que era
grupos pequenos, transformam-se em grupos extensos, com uma velocidade de
pensamento absurda, com os assuntos mais variados e com portas abertas para
qualquer mundo que o adolescente julgue pertinente adentrar.
Isto possibilita a impressão
de influências pesadas sobre o pensamento do adolescente e, consequentemente,
sobre seus modos de ser e agir no mundo, ou seja, já não se detém o mínimo de
controle sobre a formação de sua estrutura de personalidade, em que os caminhos
que pode tomar, não são mais plausíveis de serem previstos. Esta situação de
instabilidade desperta medo e pânico nas famílias e, de certa forma, sobre os
próprios adolescentes que não se encontram direcionados por uma matriz sólida,
uma vez que tudo o que os pode guiar, tornou-se fluido, líquido, adaptando a
formas e variações de formas, sobre as quais não detém o menor controle
epistemológico.
Assim que, as redes sociais
abriram novos precedentes de questionamentos sobre como se dá sua influência na
formação ou na deformação da estrutura de desenvolvimento da personalidade dos
adolescentes. Uma vez atingido o nível de conhecimento factual destes fatores,
sobre os quais se possa realizar análises contundentes, resultando em
interpretações de amplo caráter científico, entendimento, compreensão e
síntese, torna-se possível desenvolver produtos que impactem positivamente
sobre tais processos de desenvolvimento, permitindo a prevenção de males a elas
ligados e a minimizar os impactos negativos.
A adolescência é um período de
mudanças sejam elas físicas, psicológicas e são acompanhadas pela alteração das
emoções, alterações biológicas. Tais mudanças são explicadas através da
interação com o ambiente em que vive. Pode ser entendida como o período
compreendido entre a infância e a fase adulta da vida humana, esta que, de
acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, varia entre 12 (doze) e 18
(dezoito) anos de idade (BRASIL, 1990). Naturaliza-se a adolescência como um
período essencial para o crescimento do indivíduo e para o desenvolvimento da
sociedade na medida em que os jovens constituem focos de mudanças.
Como diz Ariès (1986), a
especificidade da adolescência foi reconhecida e emergiu com a escolarização,
que supõe a separação entre seres adultos e seres em formação, com a família
burguesa que separa o espaço familiar do exterior e com a progressiva exclusão
da criança do mundo do trabalho. Esse processo que se iniciou nas classes
sociais mais abastadas estendeu-se para toda a sociedade e se impôs como um
modelo que atingiu toda a organização social.
Trata-se de uma fase do desenvolvimento humano em que o
indivíduo não possui sua personalidade ainda formada, sendo susceptível a
influências externas de todos os tipos, o que pode provocar diversos problemas de
ordem psicológica. Segundo Vygotsky (1934 [1994, p. 323]) “o aparecimento de
uma personalidade formada com uma visão de mundo na adolescência é resultado do
desenvolvimento superior do intelecto nesse período da vida.”
Segundo Aberastury & Knobel (1985), a adolescência se
inicia com a vivência de três lutos fundamentais: ‘o luto da perda do corpo
infantil; o luto da perda dos pais da infância e o luto pelo papel e
identidades infantis. Estes lutos servem de base para o caráter instável da
personalidade adolescente.
A adolescência é característica não pelo conflito que sofre
o adolescente como, também, pelo conflito que causa àqueles que deles tem a
obrigação de cuidar, uma vez que encontram-se sem o devido amparo científico
(cognitivo e epistemológico) para saberem como conduzir-se durante os momentos
de angústia e conflitos de valores e interesses entre as gerações.
Em meio a este conflito geracional surgem os avanços
tecnológicos e com eles a possibilidade de se criar canais de comunicação em
tempo real, o que se chamou de redes sociais, onde se tem a oportunidade de
formar grupos maiores ou menores de amigos e colegas, seguidores de
personalidades até então desconhecidas de todos, mas que graças a tal fenômeno
tornam-se a figura da moda.
Luíza Rodrigues argumenta que,
As
redes sociais possibilitaram que novos canais de sociabilidade e transmissão de
conteúdo surgissem, principalmente para os jovens. E um fato facilmente
observável é o constante compartilhamento do cotidiano nas redes sociais. Entre
pré-adolescentes de 11 e 12 anos, o percentual de usuários de redes sociais
chega a 71% (RODRIGUES, 2017, p. 09).
Esta presença marcante nas
comunidades virtuais é um fator que pode predispor a preocupações severas,
porque esta fase de desenvolvimento marca um momento em que o adolescente
deveria estar formando grupos de interação social físicas, trocando informações
mais simples e em contato com um mundo menos selvagem e marcado por regras mais
rígidas. Este deslindamento da realidade social tradicional provoca distúrbios
na formação de sua personalidade.
R. Recuero (2009) vai
conceituar redes sociais como:
Uma rede
social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas,
instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços
sociais). Uma rede, assim, é uma metáfora para observar os padrões de conexão
de um grupo social, a partir das conexões estabelecidas entre os diversos
atores. A abordagem de rede tem, assim, seu foco na estrutura social, onde não
é impossível isolar os atores sociais e nem suas conexões (RECUERO, 2009, p.
43).
Este isolamento a que se
refere a autora é um problema a ser enfrentado, porque se ostracizado nas redes
sociais, os conflitos e patologias despertadas, por tal ação, podem ser tão ou
mais graves que aquelas decorrentes do isolamento do grupo físico e tal coisa,
necessita ser analisada com cuidado, sob pena de não se conseguir oferecer o
devido suporte emocional, dado que o universo cibernético é [quase] ilimitado e se não o é, sua
dimensão ultrapassa os limites do sensível e [quase] nunca o adolescente está
em condições de suportar tamanha pressão sobre si, correndo o risco de perder
sua identidade pessoal neste meio.
Como afirma M. Castells
(2016),
A
identidade torna-se a principal e, ás vezes, a única fonte de significado em um
período histórico que é a modernidade, caracterizada pela ampla desestruturação
das organizações, deslegitimação das instituições, enfraquecimento de
importantes movimentos sociais e expressões culturais efêmeras (CASTELLS, 2016,
p. 63).
As transformações a que a
sociedade foi submetida, após o surgimento da internet é assustador e para o
adolescente, aventureiro e inconsequente, incapaz de analisar os riscos a que
está exposto, isto tudo é nada mais que uma nova vivência de uma experiência.
No entanto, a tradição foi enfraquecida, o que possibilita uma caminhada sem
rumo em direção a lugar algum. Como afirma Bauman (2005) “livres dessa tradição
e dessa ‘segurança identitária’, buscar quem sou eu e a qual lugar eu pertenço
virou um dos principais dilemas da modernidade (p. 15).
Este desejo de pertencimento a vários grupos leva a um
desagregamento da personalidade individual, fazendo-o ter que assumir várias ou
mesmo múltiplas personas. E Castells
complementa, argumentando que, “o autoconhecimento – invariavelmente uma
construção, não importa o quanto possa parecer uma descoberta – nunca está
totalmente dissociado da necessidade de ser conhecido, de modos específicos,
pelos outros” (CASTELLS, 2003, p. 22).
A identidade de cada indivíduo e sua garantia está
vinculada à existência e à manutenção de um espelho social que,
invariavelmente, será o outro! Porque este representará a janela através da
qual pode-se contemplar os valores da sociedade e suas formas de juízo, tendo
em conta que a noção de identidade tratada sob este viés enfatiza a importância
do grupo de pertencimento, as condições históricas e socioculturais (SPINA,
GNOATO e ANTONIA, 2012).
As redes sociais são coletivos que, na maior das vezes, são
caracterizadas por figuras sem rosto, em que uma marca de seguidores ou de amigos
não é nada mais que uma virtualização de um desejo de ser reconhecido. Isto
gera uma personalidade egodistônica, fundamentada em algo que se crê ser real.
Assim que, a personalidade é uma característica marcante de poder manter nas
sombras o que, verdadeiramente, se é. Por este motivo Gramsci (1982) dizer que
ela transforma os coetâneos e ao próprio indivíduo, considerando o termo
semântico de onde deriva; e, ao colocar uma máscara é-se possuído pelos
sentimentos e valores que ela encerra, porém, sem o julgamento de valor dos
companheiros, toda ação perde-se no vazio do tempo e do espaço, sem o menor
poder de representação. A construção da personalidade e da postura de vida de
cada indivíduo é uma exigência para o ser humano que supera a simples motivação
espiritual como uma tendência para o bem, mas para tanto, necessita estar em
conjunto, em convivência com seus coetâneos, a fim de que possa construir um
ego fortalecido.
Para Erasmo Ruiz, “construir a personalidade significa
agregar a nossa ação à de outros indivíduos; aprendemos com os outros homens a
transformar a realidade, ao mesmo tempo em que transformamos também os outros
homens e [também] somos transformados
por eles” (RUIZ, 1998, pp. 25-26), num complexo processo dialético.
Nisto, tem-se que a personalidade é moldada na dimensão da
conquista do outro, na condição de vitória sobre o adversário, na estrutura de
poder tal que não se considera a possibilidade de o outro continuar a ser mais
forte. Este outro precisa ser enfraquecido para que possa fazer parte do grupo.
Tudo isto, caracteriza-se como experiências que necessitam
ser experimentadas e vividas pelos adolescentes, para que possam ser
atravessadas pelas mesmas, na construção de sua personalidade. As redes sociais
negam muitas destas experiências, como por exemplo, a troca simbólica do luto
da perda da infância, o conflito entre gerações, a transposição do objeto de
amor e ódio de um objeto concreto para um objeto abstrato.
A negação da vivência de
certas atitudes na adolescência leva, objetivamente, a um descontentamento com
a vida, produzindo no futuro, pessoas amargas e, possivelmente, pais
deficientes, ou seja, entre os danos visíveis estão aqueles que escondem-se sob
as camadas sinuosas da sua personalidade e que manifestarão em momentos
imprevisíveis, sempre causando danos à saúde psicofísica dos indivíduos porque
é-lhes, de uma maneira sutil, privado também um possível futuro melhor e mesmo
a oportunidade de escolher livremente e que o daria prazer em desenvolvê-lo.
Um dos elementos que foram
incorporados ao sistema psíquico humano a partir do processo de civilização é o
desejo de reconhecimento por seus pares mais próximos, aqueles que formam um
círculo em torno de si e que pode ser chamado de coletivo, tomando este
conceito de Anton Makarenko (1957), que o classificava como um grupo pequeno,
circunspecto e neste entendimento, este grupo poderia proporcionar ao indivíduo
adolescente algum sentimento de potência espiritual por meio do qual ele
poderia tornar-se melhor, vindo a reconhecer-se em sua totalidade como ser
humano. O elemento de ligação,
representando o eixo centralizador que caracteriza a manutenção de tais grupos
é o vínculo afetivo que se cria entre seus membros (SOUZA, 2018).
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